A CUT E O MUCA

Movimentos sociais: O que a CUT tem a ver com isso?

Matéria publicada no site da Federação dos Bancários: http://www.bancariosrjes.org.br/informativos/index.php?id=1643

Darby Igaiara foi eleito presidente da CUT-RJ no último CECUT, realizado entre 19 e 21 de junho, e empossado na última sexta-feira, 24 de julho. Sua atuação na diretoria da central – era vice-presidente na gestão anterior e já foi diretor de Imprensa e vice-presidente – sempre foi marcada pela proximidade com os movimentos sociais. Para Darby, a relação da Central com outras entidades da sociedade civil faz parte da lógica de transformação da sociedade e intervenção no cenário político, características da CUT desde sua fundação. Esta relação vem se estreitando cada vez mais. “A CUT não só representa seus filiados, os sindicatos reconhecidos dentro do movimento sindical organizado, mas também vem representar estes desassistidos”, destaca. Daí o apoio dado pela central ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra desde o início. “Tem um projeto ideológico ali que mobiliza toda essa massa de trabalhadores rurais e que, necessariamente, tem que mobilizar também a cidade. A gente sempre falou que não pode fazer movimento no campo com trabalhadores do campo, e com trabalhadores da cidade, movimento na cidade. Marx, lá atrás, já apontava que deveríamos unir o campo e a cidade e fortalecer a luta das classes sociais”, lembra Darby.
Na CUT do estado do Rio de Janeiro, esta postura é cada vez mais clara. Atualmente, um movimento popular que nasceu dentro da CUT-RJ está se fortalecendo cada vez mais: o Movimento Unido dos Camelôs – MUCA, que reúne os vendedores ambulantes na luta pelo uso do espaço público para trabalhar e gerar renda para suas famílias. “Estas pessoas vêm sofrendo o processo de desigualdade e abandono no dia a dia e acabam, de uma ou outra forma, se organizando e buscando onde se fortalecer e se estruturar”, relata Darby. Para o dirigente, a questão é muito cara, já que há relação com sua história pessoal. “Eu comecei, com 12 anos, como camelô de trem, apanhei muito da guarda ferroviária. Era o dia todo para cima e para baixo, vendendo minhas mercadorias, ficava com o pé preto. Ganhava, se não me engano, depois de um dia inteiro de trabalho sem almoço, dois contos de réis. Quando chegava à casa, entregava o dinheiro para minha mãe, que comprava meio quilo de arroz e meio de feijão, num pacotinho de papel pardo. Salvava o arroz e o feijão do dia e, no dia seguinte, era a mesma coisa”, lembra. Quando você sente na pele, é que acaba adquirindo consciência de classe e ideologia para estar junto na briga, para apoiar, porque você sabe o que está apoiando”, entende o dirigente.
A CUT abraça os trabalhadores informais
O MUCA tem em Maria de Lurdes do Carmo Santos, conhecida como Maria dos Camelôs, uma de suas principais lideranças. A organização começou a partir da necessidade de combater a violência da Guarda Municipal contra os vendedores ambulantes no centro do Rio. Ainda sob a gestão de César Maia, a prefeitura começou a realizar as operações conhecidas como “choque de ordem”, que afastavam camelôs e mendigos das ruas da cidade. Os confrontos entre guardas e ambulantes na região vizinha ao cruzamento entre as ruas Uruguaiana e Sete de Setembro eram quase diários. Maria reuniu seu grupo e decidiu pedir ajuda a alguma entidade militante e, como o diretório do PT, na época, ficava na região, o partido foi procurado. Lá, os camelôs foram orientados a contactar a CUT, entidade mais indicada para oferecer o apoio necessário. Foi então que Darby conheceu Maria e se estabeleceu uma relação institucional entre a central sindical e os trabalhadores informais.
No começo, a CUT não podia oferecer muito, mas disponibilizou espaço para as reuniões e emprestou sua estrutura. A organização dos camelôs esbarrava numa dificuldade básica: eles não podiam ficar todo o tempo militando, era preciso ir para a rua vender suas mercadorias e ganhar o dinheiro para sustento de suas famílias. “Nessa época, a CUT era quase como um depósito da Maria e de mais uns dois camelôs. Eles chegavam aqui, telefonavam, faziam reuniões, tratavam de sua organização, depois pegavam barracas e sacolas e iam para a rua vender. Mais tarde, voltavam, guardavam tudo e continuavam as articulações políticas”, relata Darby.

E isso não foi pouco: a oportunidade foi fundamental para que os ambulantes se organizassem no MUCA – Movimento Unido dos Camelôs, que surgiu em julho de 2003. No primeiro dia do mês aconteceu um grande ato público na Cinelândia, principal local de manifestações da cidade, e o movimento teve não só sua data de fundação, mas também ganhou visibilidade pública. “A CUT tem panfleto, carro de som, espaço para reunião, pode conseguir alguma verba, mas o principal é o reconhecimento do movimento sindical cutista a estes movimentos”, defende Darby.


Nova relação


Mas essa relação nem sempre foi tão próxima. “Durante um bom tempo havia um distanciamento, porque os sindicatos têm problemas corporativos cada vez mais pesados. Mas como os movimentos sociais – e em particular, o dos camelôs – surgem com mais força, a CUT começa a se aproximar destes trabalhadores. E, de um tempo para cá, os sindicatos começaram a despertar para este assunto”, relata Darby. No caso específico do MUCA, muito em função da atuação de Maria dos Camelôs, que tem grande habilidade de transitar por várias entidades em busca de apoio – às vezes emergencial, quando ocorrem confrontos com a Guarda Municipal e prisões, mas também pela forma como a sociedade encara os ambulantes. “Se o cidadão comum não comprasse mercadorias nos camelôs, eles não existiriam. O camelô é um prestador de serviço”, analisa o dirigente.

E, como prestador de serviço, o camelô tem uma necessidade bem clara: a de proteção social. Autônomos, vivem de seu trabalho diário e não têm nenhuma garantia futura, já que, para muitos, o pagamento de contribuição ao INSS não é viável. Esta incerteza também traz problemas imediatos e os deixa dependentes da solidariedade. E foi essa solidariedade que causou uma situação que era comum no sindicalismo nos anos 60: o movimento ajudar a sustentar as famílias dos trabalhadores. “Há alguns anos, prenderam vinte e poucos camelôs que estavam almoçando, na esquina das avenidas Rio Branco e Presidente Vargas. Quando foram presos, as famílias ficaram dentro da CUT, esperando que aparecesse dinheiro de algum lugar para comprar comida, porque os ambulantes trabalham o dia todo para levar algumas compras para casa à noite. Então, todo dia a Maria ia para a rua e passava uma lista entre os camelôs que ainda estavam conseguindo trabalhar e eles contribuíam. Aí, ela chegava aqui, somava tudo e dividia: uma parte para os meninos que estavam presos lá no Grajaú, na Polinter, e outra parte para as mulheres e seus filhos levarem para casa”, lembra o presidente da CUT.

Para Darby, o movimento dos vendedores ambulantes evidencia a vulnerabilidade de todo o setor informal da economia. “Envolve não só os camelôs, mas o transporte alternativo e também uma gama infinita de pessoas que trabalham produzindo mercadorias que vão ser vendidas em lojas de marcas conhecidas. Sempre são muito exploradas, sem nota fiscal, sem nada”, ressalta o sindicalista.

O joio e o trigo

O apoio da CUT e de seus filiados também tem outro aspecto: o de separar movimentos legítimos dos grupos com outros interesses. “Há movimentos e movimentos, sindicatos e sindicatos, associações e associações. Alguns estão voltados para algum tipo de arrecadação, não para fazer e fortalecer a luta, para desdobrar em movimentos. A CUT não entra nessa seara”, esclarece Darby. E o MUCA já foi alvo de interesses nesse sentido. Segundo o dirigente, já houve quem entendesse que o movimento dos ambulantes fosse transformado num sindicato, alegando que, para a CUT, seria interessante, já que mais uma entidade filiada representa aumento de receita. “Mas eu falo que está errado, porque o que está fazendo história, dando dignidade a estes trabalhadores, é um movimento chamado MUCA, que surgiu com essa essência e dá condições de fazer qualquer coisa por aqueles que precisam do espaço para trabalhar. Pode até existir, no futuro, um sindicato dos camelôs, mas o MUCA não pode ser anulado”, defende o presidente da CUT.

Um teto para chamar de seu

A questão da ocupação do espaço público também passa por outra questão: a da habitação popular. Os trabalhadores de baixa renda que vivem longe de seu local de trabalho enfrentam não só o problema do tempo que perdem na condução, mas também o alto preço das passagens – e os informais são ainda mais prejudicados, já que não contam com o benefício do vale-transporte. Esta situação acaba levando muitos homens e mulheres a pernoitarem nas ruas do centro, confundidos com mendigos e sujeitos a várias formas de violência e discriminação. Esta situação é tão flagrante que, ainda no governo de Rosinha Garotinho, foi construído um hotel popular nos arredores da Central do Brasil para hospedar estes trabalhadores. Mas como o hotel só pode hospedar 138 pessoas por noite – 28 mulheres e 110 homens – , algumas pessoas acabam decidindo vir morar perto de seu local de trabalho. Como as favelas do Centro já estão saturadas – e as moradias, cada vez mais caras –, é comum estes trabalhadores se reunirem e invadirem prédios abandonados, fazendo as chamadas ocupações.

Seguindo a tendência da CUT nacional de dar apoio a movimentos populares, a sessão da Central no Rio de Janeiro tem colaborado com os moradores das ocupações. E, novamente, Maria dos Camelôs entra em cena: ela é presidente da associação dos moradores da Ocupação Chiquinha Gonzaga, nos arredores da Central do Brasil. O prédio de 13 andares, que pertence ao Incra, já serve de lar a 70 famílias há cinco anos – aniversário comemorado com uma feijoada no último dia 25.

Mas nem sempre as histórias de ocupações são vitoriosas: há pouco mais de um mês os ocupantes de um edifício abandonado do INSS na rua Mem de Sá, arredores da Lapa, foram desalojados pela polícia. Já era o segundo prédio ocupado pelo grupo que, acampou em frente à Gerencia Regional do INSS no Rio de Janeiro, na Rua Pedro Lessa, até ser expulso por uma operação do “Choque de ordem” da prefeitura. Na ocasião, uma assistente social ligada à Secretaria de Ordem Pública, órgão responsável pela “limpeza” das ruas, ofereceu aos acampados vagas num abrigo da prefeitura. Mas os sem-teto não aceitaram, já que não são mendigos ou se consideram em situação de risco. Como todos trabalham, buscam apenas um lugar para morar, não precisam do amparo do Estado. Com a proposta recusada, a atitude da prefeitura mudou: o Conselho Tutelar ameaçou tirar dos pais duas crianças pequenas – o maior tinha pouco mais de dois anos – que estavam no local. O que ninguém vê é que as outras crianças do grupo não estavam sob a marquise naquele momento porque estavam na escola, matriculados regularmente em séries compatíveis com suas idades. Com a ação da prefeitura, o grupo se dispersou e os acampados se dividiram entre outras ocupações.

O Estado, os movimentos e a CUT

O fato de que os menores do grupo acampado na porta do INSS frequentam escolas regularmente deixa bem claro que a vulnerabilidade social destas pessoas é menos ampla do que se pensa. Organizados, os sem-teto que fazem ocupações têm família, conseguem manter seus pertences pessoais e criam seus filhos com responsabilidade. Cientes de que a habitação é um direito, enfrentam o poder público para conquistar seu teto. “Este movimento vem reafirmar que a responsabilidade do Estado é falha. E, portanto, vem dizer que o solo, o espaço público, é público e não pode haver um choque de ordem para dizer que não pode fazer isso ou aquilo. O secretário ou o prefeito não é o dono, é o administrador. Tem que dialogar com a sociedade, perguntar as alternativas, por que esse povo está nas ruas, do que precisam, quais são as opções. Isso, infelizmente, nunca foi feito”, defende Darby. Ao contrário, o que o Estado faz é devolver às ruas os sem-teto que ocuparam prédios abandonados, como aconteceu com o grupo de ficou acampado na porta do INSS após ser despejado. “Não dá para o poder público simplesmente ir lá, tirar, espancar e jogar de volta na rua, devolvê-los ao lugar onde foram colocados a vida toda!”, acredita o dirigente. É por isso que a CUT, como entidade que busca a transformação da sociedade, busca sempre se aproximar dos movimentos, mesmo que não tenham associação direta com o sindicalismo tradicional. “Para nós, da CUT, estes são movimentos importantes, porque sempre tivemos essa vertente de dar atenção e olhar para os movimentos sociais, todos eles”, conclui o dirigente.